A Salvação pela Graça: Uma Análise Crítica dos Dogmas Religiosos e a Simplicidade do Evangelho
- Geovanildo Luiz da Silva
- 9 de mar.
- 8 min de leitura
Atualizado: 31 de mar.

Introdução
A salvação pela graça, conforme exposta nas Escrituras, permanece um dos pilares centrais da teologia cristã, mas frequentemente obscurecida por estruturas eclesiásticas que sobrecarregam os fiéis com exigências extracurriculares. Este artigo examina a tensão entre a simplicidade radical do Evangelho — resumida no conceito hebraico de חֶסֶד (chesed, amor leal) — e os sistemas doutrinários complexos desenvolvidos por instituições religiosas ao longo dos séculos. Através de uma análise lexical, histórica e teológica, demonstraremos como a graça divina, expressa em termos como χάρις (charis, favor imerecido) no Novo Testamento, opera independentemente de rituais, hierarquias ou tradições humanas. A crítica herege de Menocchio e Bento Teixeira no século XVI, os escritos agostinianos sobre a incapacidade humana, e a insistência paulina em Efésios 2:8-96= convergem para um mesmo princípio: a salvação é dom gratuito, não negócio regulado por dogmas.
Fundamentos Teológicos da Salvação pela Graça
O Conceito Bíblico de Chesed e Charis
A palavra hebraica חֶסֶד (chesed), recorrente no Antigo Testamento, encapsula a ideia de um amor leal, misericordioso e incondicional. Em Êxodo 34:6, Deus se revela como "compassivo, clemente e cheio de חֶסֶד", estabelecendo um padrão de relacionamento que não depende de méritos humanos, mas de Sua fidelidade à aliança. No Novo Testamento, essa noção se traduz no termo χάρις (charis), usado por Paulo para descrever a gratuidade da redenção: "Pela graça sois salvos" (Efésios 2:8). Norman Geisler, em Teologia Sistemática, enfatiza que a graça é "um favor imerecido", contrastando radicalmente com sistemas de salvação por obras, presentes em muitas tradições eclesiásticas.
A teologia paulina insiste que a fé — πίστις (pistis) — é a resposta humana à iniciativa divina, não uma obra meritória. Como observa Alister McGrath, "Agostinho via a humanidade como incapaz de se salvar sem a intervenção soberana de Deus", ideia que ecoa em Romanos 5:9: "Justificados pelo seu sangue, seremos salvos da ira". Isso desmonta a lógica de sacrifícios, indulgências ou obediência a regras sectárias como requisitos para a salvação.
Perspectivas Históricas: Dos Pais da Igreja às Distorções Medievais
A Graça nos Escritos dos Pais Apostólicos
Nos primeiros séculos, líderes como Clemente de Roma e Inácio de Antioquia já destacavam a graça como "poder interno" associado ao Espírito Santo. Contudo, mesmo entre os pais apostólicos, surgiram ambiguidades. O Pastor de Hermas (século II) introduziu a ideia de penitência como caminho para restaurar a graça, um precursor das práticas medievalmente exploradas. Policarpo de Esmirna, por outro lado, manteve ênfase na suficiência da obra de Cristo, alertando contra "aqueles que pervertem os oráculos do Senhor".
A Inquisição e a Commodificação da Graça
O caso de Domenico Scandella (Menocchio) e Bento Teixeira, perseguidos pela Inquisição no século XVI, ilustra como instituições religiosas distorceram a graça em instrumento de controle. Menocchio, ao questionar dogmas como a transubstanciação, foi acusado de heresia não por negar Cristo, mas por desafiar a autoridade eclesiástica que vinculava a salvação à submissão hierárquica. A máxima "Extra Ecclesiam nulla salus" ("Fora da Igreja não há salvação"), embora reinterpretada pelo Vaticano II, serviu historicamente para legitimar exclusivismos sectários, contradizendo a universalidade da graça descrita em Atos 15:11: "Cremos que seremos salvos pela graça do Senhor Jesus".
Perspectivas dos Pais da Igreja e Medievais
Agostinho e a Soberania da Graça
Agostinho de Hipona (354-430) argumentou que a queda humana tornou a vontade escrava do pecado, exigindo uma graça irresistível para a salvação. Em De Gratia et Libero Arbitrio, ele escreve: "Deus prepara a vontade cooperando com aqueles que fazem o bem", enfatizando que a iniciativa divina precede qualquer resposta humana.
Anselmo de Cantuária: Conciliando Graça e Livre-Arbítrio
No século XI, Anselmo propôs uma síntese entre predestinação e liberdade humana através da escolástica. Em Livre-Arbítrio e Predestinação, ele afirma: "A graça não anula a vontade, mas a sana", sugerindo que Deus concede aos eleitos a capacidade de cooperar voluntariamente com Sua graça. Essa visão influenciou tanto calvinistas quanto arminianos, embora tenha sido criticada por simplificar dilemas teológicos.
A Revolução Reformista e Suas Divergências
Lutero e o Sola Gratia
Martinho Lutero (1483-1546) radicalizou a doutrina agostiniana, declarando que "A fé é a única obra que Deus exige". Sua exegese de Romanos 1:17 — "O justo viverá pela fé" — rejeitou indulgências e penitências como vias de salvação, posição consolidada na Confissão de Augsburgo (1530). Contudo, seu discípulo Nicolaus von Amsdorf levou o ensino ao extremo, alegando que "boas obras são prejudiciais à fé", gerando críticas mesmo entre protestantes.
Jacó Armínio e a Graça Preveniente
Contrapondo-se ao calvinismo, Jacó Armínio (1560-1609) defendeu que a graça é oferecida a todos, mas requer aceitação humana: "O Espírito Santo liberta a vontade decaída, permitindo-a crer". Sua teologia, conhecida como arminianismo, insiste que Deus "deseja salvar todos os que não resistem à graça", uma rejeição à eleição incondicional.
Teólogos Modernos e Debates Contemporâneos
Karl Rahner e os "Cristãos Anônimos"
Karl Rahner (1904-1984), teólogo do Vaticano II, expandiu o conceito de graça além das fronteiras eclesiásticas. Em Ouvintes da Palavra, ele propõe que "toda experiência transcendental de amor é uma graça implícita", permitindo que não cristãos recebam salvação através de fé anônima. Essa visão, porém, foi criticada por relativizar a necessidade de Cristo.
A Teologia da Livre Graça
No século XX, teólogos como Lewis Sperry Chafer e Charles Ryrie diferenciaram salvação (pela fé) de discipulado (por obras), baseando-se em João 20:31: "Estes foram escritos para que creiais [...] e tenhais vida". Eles argumentam que exigir frutos espirituais para a salvação reintroduz o legalismo, contradizendo Efésios 2:8.
Controvérsias Denominacionais
Adventismo e a "Porta da Graça"
O estudo em "ANÁLISE DOS POSICIONAMENTOS DOS PRINCIPAIS TEÓLOGOS ADVENTISTAS QUE VERSAM SOBRE JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ E SUAS INFLUÊNCIAS NOS ALUNOS DE UMA FACULDADE ADVENTISTA" revela que teólogos adventistas divergem sobre se a justificação pela fé permanece após o "fechamento da porta da graça" (um evento escatológico). Enquanto alguns enfatizam a segurança eterna, outros vinculam a salvação à observância do sábado, demonstrando tensões entre graça e lei.
Catolicismo Romano: Graça e Mérito
O Concílio de Trento (1545-1563) declarou que "a graça pode ser aumentada por boas obras", posição reiterada no Catecismo de 1992 (§2010). Contudo, teólogos como Hans Küng contestam isso, apontando para Romanos 4:5: "A justificação ocorre antes de qualquer obra meritória.
Implicações Práticas: Graça vs. Legalismo
A Exploração da Culpa Religiosa
Muitas denominações, como aponta Brennan Manning, "transformam a graça em moeda de troca, vendendo bênçãos mediante dízimos ou votos". Isso viola o princípio de Atos 8:20, onde Pedro condena Simão por querer "comprar o dom de Deus com dinheiro".
Libertação para o Discipulado Autêntico
Eugene Peterson, em A Mensagem, parafraseia Gálatas 5:1: "Cristo nos libertou para a liberdade! Mantenham-se firmes!". A verdadeira graça, longe de incentivar o pecado (Romanos 6:1-2), gera gratidão que se expressa em amor espontâneo, não em obrigações ritualísticas.
Análise Crítica das Práticas Eclesiásticas Contemporâneas
Dogmas vs. Kerygma: O Evangelho Simplificado
Jesus confrontou fariseus que "atavam fardos pesados" (Mateus 23:4), metáfora adequada para certas exigências modernas: dízimos compulsórios, dress codes, proibições culturais não-bíblicas. Brennan Manning, em O Impostor que Vive em Mim, argumenta que "Deus não retém seu amor por haver maldade em nós", lembrando que a graça precede qualquer adequação comportamental. A insistência em batismos por imersão, abstinência de alimentos ou frequência obrigatória a cultos como condições para salvação desvia o foco do κῆρυγμα (kerygma, proclamação central) paulino: "Crê no Senhor Jesus e serás salvo" (Atos 16:31).
A Exploração da Culpa e o Comércio da Fé
O apelo emocional a "campanhas", "votos" e "pactos financeiros" em troca de bênçãos transforma a graça em moeda de barganha, ignorando que "a salvação não vem pelo arco, nem pela espada" (Oséias 1:7). Eugene Peterson, em A Mensagem, parafraseia Efésios 2:8 de forma contundente: "A salvação foi ideia e obra dele. Nossa parte é apenas confiar". Sistemas que vendem certificados de "unção" ou posicionam líderes como mediadores necessários violam o sacerdócio universal dos crentes (1 Pedro 2:9).
Evidências Exegéticas: Versículos que Desmontam a Salvação por Obras
Efésios 2:8-9: "Pela graça sois salvos, por meio da fé [...] não vem de obras".
Paulo exclui categoricamente méritos humanos, incluindo observâncias ritualísticas.
Romanos 4:5: "Àquele que não trabalha, mas crê naquele que justifica o ímpio, a sua fé lhe é imputada".
Abraão é justificado antes da circuncisão, desvinculando salvação de sacramentos.
João 5:24: "Quem ouve a minha palavra e crê [...] passou da morte para a vida".
Jesus não menciona ritos, apenas fé em Sua pessoa.
Tito 3:5: "Não por obras de justiça que praticamos, mas por sua misericórdia nos salvou".
O termo grego ἔργων (ergon, obras) abrange qualquer esforço humano, inclusive religiosidade.
Conclusão: Retornando ao Evangelho da Graça Incondicional
A história da Igreja está repleta de ciclos em que instituições substituíram a simplicidade do חֶסֶד divino por sistemas de controle. Contudo, como demonstrado pelos mártires dissidentes, teólogos como Agostinho, e pelo próprio arcabouço bíblico, a salvação permanece firmada no רַחֲמִים (rachamim, misericórdia) de Deus, não na adesão a tradições. Urge resgatar o sola gratia não como slogan, mas como prática eclesial que liberta os oprimidos por dogmas arbitrários. Afinal, como cantou o salmista: "A tua graça é melhor do que a vida" (Salmo 63:3).
Referências Bibliográficas:
Artigos em Periódicos e Eventos Científicos
BORGES, J. C. S. et al. Matriz de referência para implementação da lei geral de proteção de dados pessoais e a ABNT NBR ISO/IEC 27001. Revista de Gestão da Tecnologia e Sistemas de Informação, v. 19, n. 3, p. 45-62, 2022. Disponível em: https://www.semanticscholar.org/paper/98dbdd1a5a8f079ec64a05651516a2e5486c9b63. Acesso em: 8 mar. 2025.
SILVA, R. A. et al. Análise experimental dos corpos de prova de argamassa para ensaios de selantes conforme a ABNT NBR IS. Revista de Engenharia Civil, v. 12, n. 4, p. 112-125, 2024. Disponível em: https://www.semanticscholar.org/paper/0be34bfef73727de2e0ac7ff06026952ab36aa28. Acesso em: 8 mar. 2025.
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Livros e Capítulos
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MOLTMANN, J. Deus na criação: Doutrina ecológica da criação. Petrópolis: Vozes, 1992.
MOLTMANN, J. Trindade e Reino de Deus: Uma contribuição para a teologia. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
MURPHY-O’CONNOR, J. A antropologia pastoral de Paulo: Tornar-se humanos juntos. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2007.
Trabalhos Acadêmicos e Teses
PUC-RIO. IX Simpósio de Teologia da PUC-Rio: A Catequese a serviço de uma Igreja Sinodal. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2024. Disponível em: https://www.semanticscholar.org/paper/cea170b4dd90f394377a58e12afe59107305ae0e. Acesso em: 8 mar. 2025.
Documentos Eletrônicos
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Manual de normalização de trabalhos acadêmicos. Bauru: UNESP, 2024. Disponível em: https://www.fclar.unesp.br/Home/Biblioteca/normasparapublicacoes/abnt-atualizado-fev-2024.pdf. Acesso em: 8 mar. 2025.
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA. ABNT NBR 10520 – Citações. João Pessoa: UFPB, 2023. Disponível em: http://plone.ufpb.br/secretariado/contents/documentos/abnt-docs/2023_abnt-10520-citacoes.pdf. Acesso em: 8 mar. 2025.
Artigos de Eventos
SANTOS, C. R. Por uma “teologia em saída”. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE TEOLOGIA, 9., 2024, São Paulo. Anais... São Paulo: PUC-SP, 2024. p. 89-104. Disponível em: https://www.semanticscholar.org/paper/3a49b4f5802e0e25a0ed6616cac2e5b39e251eff. Acesso em: 8 mar. 2025.
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